Movimentos migratórios para a Amazônia
Os imigrantes nordestinos frente à natureza amazônica: como viviam, do que
viviam e como trabalhavam
As
dificuldades de adaptação
A partir de 1950
aumentam as frentes migratórias para a Amazônia. Desde os fins do século XIX,
imigrantes vinham do Nordeste para a Amazônia nos períodos de grandes secas
naquela região brasileira. Eles se dirigiam especialmente para o estado do
Pará.
O desconhecimento da
natureza amazônica pelos nordestinos era naquela época e é até hoje, muito
grande; aliás, este desconhecimento sobre a Amazônia é comum entre os
brasileiros de outras regiões também. Mas, para quem migra para a região, essa
falta de informação cria várias dificuldades, tais como: a dificuldade de
reconhecer as árvores e extrair delas as essências medicinais e os frutos; o
desconhecimento do oficio da pesca (já que eles são procedentes do Nordeste,
onde há poucos rios, lagos e igarapés). Os nordestinos apresentam grande
aptidão para a agricultura, já que eles têm uma tradição secular nos trabalhos
agrícolas (com o algodão, e especialmente, com o arroz e a cana-de-açúcar)
quanto ao extrativismo, eles estão familiarizados com a coleta e a quebra do
coco babaçu, atividades típicas da zona nordestina que faz fronteira ou que está
mais próxima da Amazônia (Maranhão e o Piauí).
As
atividades econômicas que ocupavam os imigrantes
Nos anos de 1940 e 1950
os nordestinos que vinham para a Amazônia trabalhavam (e trabalham) como
trabalhadores itinerantes, no meio da mata. Ora trabalhavam na seringa, ora
tocavam boiadas, percorrendo os trechos do Maranhão – Goiás – Pará por trilhas
e caminhos precários. Ora voltavam ao nordeste para quebrarem coco babaçu; ora
entravam (e entram ainda) no Pará quando havia (ou quando há) notícias de um
novo garimpo. Apanhavam castanhas, desmatavam área para pasto, etc. Eles não
conseguiam (e os que vêm agora também não conseguem) viver do complexo rio-roça-mata-quintal, como o homem
natural da Amazônia, por não terem familiarizados com a natureza da região.
Muitos imigrantes,
entretanto, apesar das dificuldades, acabam ficando definitivamente na
Amazônia. E quando se estabilizam, tem na roça a atividade principal. Eles se
defrontam com uma natureza que para eles não se apresenta como rica e variada,
mas sim como hostil; e da qual eles não conseguem extrair sua subsistência,
como acontece com os habitantes naturais. Sua tendência espontânea é a de
queimar a mata para fazer roçados. Ao lado disso, trabalham nas alternativas
antes mencionadas (garimpos, desmatamentos de área para pasto etc.).
Porque
muitos saem do Nordeste
Nos 1940 e 1950 muitos
imigrantes vinham para os garimpos de Santarém, dos rios Tocantins e Araguaia,
garimpavam nos períodos de estiagem (maio a novembro) e coletavam a castanha na
época das chuvas (dezembro a abril), quando a castanha era mais abundante.
Quando a borracha ainda era produzida em grande quantidade, dirigiam-se para o
Acre, Amazonas e o Pará. Mas, depois da crise da borracha, passaram a vir mais frequentemente
para o Pará.
No Nordeste (seu lugar
de origem) os imigrantes viviam em condições de vida e trabalho duras e
sofridas: geralmente quebravam coco babaçu ou faziam outros trabalhos avulsos.
Nos seus lotes de terra enfrentavam a seca e a secular displicência dos
governos com a questão da seca do nordeste. Por isto vinham para a Amazônia –
para encontrar uma terra livre, com água, onde pudessem melhorar de vida e de
destino.
Sobrevivência
do natural da região e do imigrante
Assim sendo, a vida do
habitante natural da região dependia dos seguintes elementos naturais:
rio-quintal-roça-mata. Dessa forma, desenvolvia para sua sobrevivência, várias
atividades produtivas complementares entre si. Já o imigrante, pela dificuldade
de conhecer a natureza e de compreender a cultura de uma região completamente
diferente de estabelecer-se à beira do rio. Não conseguia tirar da natureza
aquilo que o homem natural da região fazia .
Portanto, quando entrava
na região, o imigrante se deparava com aquilo que a região tinha de mais cruel
– a exploração do trabalho humano nos diversos ciclos e atividades do
extrativismo. Sendo, a exploração da borracha, da castanha, a caça de animais
para a venda das peles. O recém-chegado não conseguia usufruir (pelo menos nos
primeiros anos de chegada), daquilo que a região oferecia de mais rico – o rio
e a mata como fontes de vida e cultura.
Como os solos da
Amazônia são, geralmente, muitos pobres em nutrientes, pois, quando se corta ou
queima a mata para fazer roçados ou pastos, o solo empobrece rapidamente. Os
solos da região são enriquecidos pelos galhos, folhas, insetos, cipós, frutas
etc., que caem das árvores, que apodrecem e fertilizam o solo (chamamos de
Húmus).
Quando se desmata, o
solo para de produzir esses nutrientes e ainda fica queimado pelo sol. Além do
mais, o solo fica lavado pelas chuvas, que caem com frequência na Amazônia. Percebemos
que as copas das árvores quebram o impacto das chuvas, impedindo que o solo
seja lavado. É por isto que o desmatamento na Amazônia é algo mais danoso do
que em outras regiões onde o solo é rico em nutrientes e onde as chuvas não são
tão fortes.
Como o colono queima e
desmata para plantar a terra empobrece, após poucos anos, obrigando a queimar
ou desmatar outro lote para fazer um novo roçado. E assim sucessivamente. Não
há orientação técnica adequada, por parte dos órgãos responsáveis por cuidar da
Amazônia, para não queimar e nem para plantar culturas adequadas e rentáveis.
Também não há crédito para financiamento de equipamentos. Por isso, ele
continua a queimar e desmatar o que para ele não custa dinheiro.
Os soldados da Borracha:
migração “forçada’
No final de 1941, durante
a Segunda Guerra Mundial, os países aliados não tinham mais acesso à borracha
asiática e necessitavam desta matéria-prima principalmente para a indústria
bélica. As autoridades norte-americanas entraram em pânico e voltaram suas
atenções então para a Amazônia, o grande reservatório natural da borracha.
Entretanto, seriam necessários, pelo menos, cem mil novos trabalhadores para
reativar a produção amazônica até o nível desejado.
E os seringueiros que aqui estavam?
Nas décadas de 1920 e
1930, milhares de seringueiros nordestinos abandonaram os seringais e voltaram
derrotados para suas regiões de origem. A Amazônia brasileira se despovoou e
entrou em um novo ciclo de decadência econômica. Na crise, a agricultura passou
a ser utilizada e isso fez com que práticas e conhecimentos dos nordestinos se
fundissem aos conhecimentos da agricultura indígena.
As casas aviadoras e as novas
migrações
Utilizavam os jornais
para anunciar suas atividades. Ficou acertado então que o governo americano
passaria a investir fortemente no financiamento da produção de borracha
amazônica, enquanto ao governo brasileiro caberia o encaminhamento de milhares
de trabalhadores para os seringais, o que passou a ser tratado como um heroico
esforço de guerra. Só de Fortaleza, no Ceará, cerca de 30 mil flagelados da
seca de 1941-42 foram enviados imediatamente para os seringais. Em todas as
regiões do Brasil, aliciadores tratavam de convencer trabalhadores a se alistar
como soldados da borracha para auxiliar na vitória aliada. Dizia-se que “na
Amazônia se junta dinheiro com rodo”. Os velhos mitos do eldorado amazônico
voltavam a ganhar força no imaginário popular, agora considerado o paraíso
verde, a terra da fartura, onde a seca não tinha vez.
O contrato de trabalho,
que não devia repetir os abusos do sistema de aviamento assinado entre
seringalista e soldado da borracha, quase nunca foi respeitado. A não ser para
assegurar os direitos dos seringalistas. Todas as tentativas de implantação de
um novo regime de trabalho, como o fornecimento de suprimentos direto aos
seringueiros, fracassaram diante da pressão e poderio das casas aviadoras e dos
seringalistas, que continuavam dominando o processo da produção de borracha na
Amazônia. O crescimento da produção de borracha na Amazônia nesse período foi
infinitamente menor do que o esperado. Isso levou o governo norte-americano a
se apressar em cancelar todos os acordos referentes à produção de borracha
amazônica, tão logo a guerra também chegou ao fim. Era o fim da Batalha da
Borracha, mas não da guerra travada por seus soldados.
Para onde foram os soldados da batalha
da borracha?
Muitos, imersos na
solidão de suas colocações no interior da floresta, sequer foram avisados de
que a guerra tinha terminado, só vindo a descobrir isso anos depois. Alguns
voltaram para suas regiões de origem como haviam de lá partido, sem um tostão
no bolso. Outros conseguiram criar raízes na floresta e ali construir suas
vidas. Poucos conseguiram tirar algum proveito econômico dessa batalha
incompreensível, aparentemente sem armas, sem tiros, mas com muitas vítimas. Só a partir da Constituição de 1988, mais de 40 anos depois do fim da
Segunda Guerra Mundial, os soldados da borracha ainda vivos passaram a receber
uma pensão como reconhecimento pelo serviço prestado ao país. Uma pensão
irrisória, dez vezes menor que a pensão recebida por aqueles que foram lutar na
Itália. Por isso, ainda hoje, em diversas cidades brasileiras, no dia 1º de
maio os soldados da borracha se reúnem para continuar a luta pelo
reconhecimento de seus direitos.