sexta-feira, 19 de maio de 2023

Movimentos migratórios para a Amazônia

 

Movimentos migratórios para a Amazônia

Os imigrantes nordestinos frente à natureza amazônica: como viviam, do que viviam e como trabalhavam


As dificuldades de adaptação

A partir de 1950 aumentam as frentes migratórias para a Amazônia. Desde os fins do século XIX, imigrantes vinham do Nordeste para a Amazônia nos períodos de grandes secas naquela região brasileira. Eles se dirigiam especialmente para o estado do Pará.

O desconhecimento da natureza amazônica pelos nordestinos era naquela época e é até hoje, muito grande; aliás, este desconhecimento sobre a Amazônia é comum entre os brasileiros de outras regiões também. Mas, para quem migra para a região, essa falta de informação cria várias dificuldades, tais como: a dificuldade de reconhecer as árvores e extrair delas as essências medicinais e os frutos; o desconhecimento do oficio da pesca (já que eles são procedentes do Nordeste, onde há poucos rios, lagos e igarapés). Os nordestinos apresentam grande aptidão para a agricultura, já que eles têm uma tradição secular nos trabalhos agrícolas (com o algodão, e especialmente, com o arroz e a cana-de-açúcar) quanto ao extrativismo, eles estão familiarizados com a coleta e a quebra do coco babaçu, atividades típicas da zona nordestina que faz fronteira ou que está mais próxima da Amazônia (Maranhão e o Piauí).

As atividades econômicas que ocupavam os imigrantes

Nos anos de 1940 e 1950 os nordestinos que vinham para a Amazônia trabalhavam (e trabalham) como trabalhadores itinerantes, no meio da mata. Ora trabalhavam na seringa, ora tocavam boiadas, percorrendo os trechos do Maranhão – Goiás – Pará por trilhas e caminhos precários. Ora voltavam ao nordeste para quebrarem coco babaçu; ora entravam (e entram ainda) no Pará quando havia (ou quando há) notícias de um novo garimpo. Apanhavam castanhas, desmatavam área para pasto, etc. Eles não conseguiam (e os que vêm agora também não conseguem) viver do complexo rio-roça-mata-quintal, como o homem natural da Amazônia, por não terem familiarizados com a natureza da região.

Muitos imigrantes, entretanto, apesar das dificuldades, acabam ficando definitivamente na Amazônia. E quando se estabilizam, tem na roça a atividade principal. Eles se defrontam com uma natureza que para eles não se apresenta como rica e variada, mas sim como hostil; e da qual eles não conseguem extrair sua subsistência, como acontece com os habitantes naturais. Sua tendência espontânea é a de queimar a mata para fazer roçados. Ao lado disso, trabalham nas alternativas antes mencionadas (garimpos, desmatamentos de área para pasto etc.).

Porque muitos saem do Nordeste

Nos 1940 e 1950 muitos imigrantes vinham para os garimpos de Santarém, dos rios Tocantins e Araguaia, garimpavam nos períodos de estiagem (maio a novembro) e coletavam a castanha na época das chuvas (dezembro a abril), quando a castanha era mais abundante. Quando a borracha ainda era produzida em grande quantidade, dirigiam-se para o Acre, Amazonas e o Pará. Mas, depois da crise da borracha, passaram a vir mais frequentemente para o Pará.

No Nordeste (seu lugar de origem) os imigrantes viviam em condições de vida e trabalho duras e sofridas: geralmente quebravam coco babaçu ou faziam outros trabalhos avulsos. Nos seus lotes de terra enfrentavam a seca e a secular displicência dos governos com a questão da seca do nordeste. Por isto vinham para a Amazônia – para encontrar uma terra livre, com água, onde pudessem melhorar de vida e de destino.

Sobrevivência do natural da região e do imigrante

Assim sendo, a vida do habitante natural da região dependia dos seguintes elementos naturais: rio-quintal-roça-mata. Dessa forma, desenvolvia para sua sobrevivência, várias atividades produtivas complementares entre si. Já o imigrante, pela dificuldade de conhecer a natureza e de compreender a cultura de uma região completamente diferente de estabelecer-se à beira do rio. Não conseguia tirar da natureza aquilo que o homem natural da região fazia .

Portanto, quando entrava na região, o imigrante se deparava com aquilo que a região tinha de mais cruel – a exploração do trabalho humano nos diversos ciclos e atividades do extrativismo. Sendo, a exploração da borracha, da castanha, a caça de animais para a venda das peles. O recém-chegado não conseguia usufruir (pelo menos nos primeiros anos de chegada), daquilo que a região oferecia de mais rico – o rio e a mata como fontes de vida e cultura.

Como os solos da Amazônia são, geralmente, muitos pobres em nutrientes, pois, quando se corta ou queima a mata para fazer roçados ou pastos, o solo empobrece rapidamente. Os solos da região são enriquecidos pelos galhos, folhas, insetos, cipós, frutas etc., que caem das árvores, que apodrecem e fertilizam o solo (chamamos de Húmus).

Quando se desmata, o solo para de produzir esses nutrientes e ainda fica queimado pelo sol. Além do mais, o solo fica lavado pelas chuvas, que caem com frequência na Amazônia. Percebemos que as copas das árvores quebram o impacto das chuvas, impedindo que o solo seja lavado. É por isto que o desmatamento na Amazônia é algo mais danoso do que em outras regiões onde o solo é rico em nutrientes e onde as chuvas não são tão fortes.

Como o colono queima e desmata para plantar a terra empobrece, após poucos anos, obrigando a queimar ou desmatar outro lote para fazer um novo roçado. E assim sucessivamente. Não há orientação técnica adequada, por parte dos órgãos responsáveis por cuidar da Amazônia, para não queimar e nem para plantar culturas adequadas e rentáveis. Também não há crédito para financiamento de equipamentos. Por isso, ele continua a queimar e desmatar o que para ele não custa dinheiro.

Os soldados da Borracha: migração “forçada’

No final de 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, os países aliados não tinham mais acesso à borracha asiática e necessitavam desta matéria-prima principalmente para a indústria bélica. As autoridades norte-americanas entraram em pânico e voltaram suas atenções então para a Amazônia, o grande reservatório natural da borracha. Entretanto, seriam necessários, pelo menos, cem mil novos trabalhadores para reativar a produção amazônica até o nível desejado.

E os seringueiros que aqui estavam?

Nas décadas de 1920 e 1930, milhares de seringueiros nordestinos abandonaram os seringais e voltaram derrotados para suas regiões de origem. A Amazônia brasileira se despovoou e entrou em um novo ciclo de decadência econômica. Na crise, a agricultura passou a ser utilizada e isso fez com que práticas e conhecimentos dos nordestinos se fundissem aos conhecimentos da agricultura indígena.

As casas aviadoras e as novas migrações

Utilizavam os jornais para anunciar suas atividades. Ficou acertado então que o governo americano passaria a investir fortemente no financiamento da produção de borracha amazônica, enquanto ao governo brasileiro caberia o encaminhamento de milhares de trabalhadores para os seringais, o que passou a ser tratado como um heroico esforço de guerra. Só de Fortaleza, no Ceará, cerca de 30 mil flagelados da seca de 1941-42 foram enviados imediatamente para os seringais. Em todas as regiões do Brasil, aliciadores tratavam de convencer trabalhadores a se alistar como soldados da borracha para auxiliar na vitória aliada. Dizia-se que “na Amazônia se junta dinheiro com rodo”. Os velhos mitos do eldorado amazônico voltavam a ganhar força no imaginário popular, agora considerado o paraíso verde, a terra da fartura, onde a seca não tinha vez.

O contrato de trabalho, que não devia repetir os abusos do sistema de aviamento assinado entre seringalista e soldado da borracha, quase nunca foi respeitado. A não ser para assegurar os direitos dos seringalistas. Todas as tentativas de implantação de um novo regime de trabalho, como o fornecimento de suprimentos direto aos seringueiros, fracassaram diante da pressão e poderio das casas aviadoras e dos seringalistas, que continuavam dominando o processo da produção de borracha na Amazônia. O crescimento da produção de borracha na Amazônia nesse período foi infinitamente menor do que o esperado. Isso levou o governo norte-americano a se apressar em cancelar todos os acordos referentes à produção de borracha amazônica, tão logo a guerra também chegou ao fim. Era o fim da Batalha da Borracha, mas não da guerra travada por seus soldados.

Para onde foram os soldados da batalha da borracha?

Muitos, imersos na solidão de suas colocações no interior da floresta, sequer foram avisados de que a guerra tinha terminado, só vindo a descobrir isso anos depois. Alguns voltaram para suas regiões de origem como haviam de lá partido, sem um tostão no bolso. Outros conseguiram criar raízes na floresta e ali construir suas vidas. Poucos conseguiram tirar algum proveito econômico dessa batalha incompreensível, aparentemente sem armas, sem tiros, mas com muitas vítimas. Só a partir da Constituição de 1988, mais de 40 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, os soldados da borracha ainda vivos passaram a receber uma pensão como reconhecimento pelo serviço prestado ao país. Uma pensão irrisória, dez vezes menor que a pensão recebida por aqueles que foram lutar na Itália. Por isso, ainda hoje, em diversas cidades brasileiras, no dia 1º de maio os soldados da borracha se reúnem para continuar a luta pelo reconhecimento de seus direitos.

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